quarta-feira, 20 de outubro de 2010

A vida como ela é

Ele revolucionou a dramaturgia brasileira e é considerado "maldito” por muitos. Sua obra foi chamada de genial, imoral, ilegal. Otto Lara Resende o definiu assim: “O Nelson Rodrigues, vocês sabem, a gente mata ou ama. Como o Código Penal pune assassinato, só nos resta amá-lo.” Foi exaltado por Manuel Bandeira como o “maior poeta dramático que já apareceu em nossa literatura”.
Amado e odiado recebeu críticas profundas também. Tristão de Athayde dizia que suas obras eram terríveis e imorais. Foi censurado pela ditadura que ainda prendeu seu filho Nelsinho que virou guerrilheiro. Nelson respondia com provocações irrespondíveis: “O artista tem que ser gênio para alguns e imbecil para outros. Se puder ser imbecil para todos, melhor ainda.”
Ou ainda, para explicar a controvérsia, que no fundo o nutria, cunhou a máxima: “Toda unanimidade é burra.” Mestre nas declarações de efeito como “Nós, da imprensa, somos uns criminosos do adjetivo. Com a mais eufórica das irresponsabilidades, chamamos de ‘ilustre’, de ‘insigne’, de ‘formidável’, qualquer borra-botas”.
Estreou aos 13 anos como repórter policial e colocou nas peças, sua própria história. Uma das tragédias da sua vida diz respeito à morte do seu pai e irmão. Mário seu pai, dono do jornal “Crítica” publica notícia sobre uma dama da sociedade carioca que teria se divorciado. Alterada, ela invade a redação do jornal e atira em Roberto, filho de Mário. Nelson, o filho mais novo assiste a cena.
Pouco tempo depois o pai morre em decorrência de trombose cerebral. Isso serviu de argumento para suas peças, pautadas na “vida como ela é”. Com a peça Vestido de Noiva atinge o reconhecimento e esta observação do diretor polonês Ziembinski “Não conheço nada no teatro mundial que se pareça com isso”. Nelson dizia que “A ficção, para ser purificadora, tem que ser atroz. O personagem é vil para que não o sejamos. Ele realiza a miséria inconfessa de cada um de nós.”
Tinha facilidade para escrever como para exagerar dramas. Afinal, seus próprios infortúnios andavam de braços dados com particularidades crueis. Uma filha de relação extraconjugal nasceu com paralisia cerebral; perdeu o pai e o irmão Mário; a cunhada viúva se matou; outro irmão, Paulo, morreu com a família no desabamento de seu prédio. Não foi tudo. A tuberculose, doença que o assombrou por toda a vida, levou-lhe os dentes aos 21 anos e o acompanhou vida afora, transformando seus dias em eterna véspera de funeral. Quem sabe daí a gana da ousadia. Não tinha nada a perder. Jornalista, escrevia de um jorro. Possesso. Movido a cafezinho e cigarro. Criou Suzana Flag, pseudônimo com que assinava folhetins em O Jornal. O adultério era sua obsessão – escreveu quase 2 mil histórias sobre o assunto. “O dinheiro compra tudo. Até amor verdadeiro”, escreveu ali. Publicou 17 peças e algumas viraram filmes como Boca de Ouro, Beijo no Asfalto, Toda Nudez Será Castigada, Os Sete Gatinhos, e Bonitinha, Mas Ordinária.
Morreu em 1980, de mãos dadas com Elza, sua primeira mulher, para quem voltou depois de casos com outras, mas longe do filho Nelsinho, perseguido pela ditadura. Dois meses depois, Elza atendia ao pedido do marido — de, ainda em vida, gravar o seu nome ao lado do dele na lápide de seu túmulo, sob a inscrição: "Unidos para além da vida e da morte. E é só".

Malu Pedarcini

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